Este desabafo merece ser lido e refletido. Acredito que seja o sentimento de muitos. Também quero acreditar que os pais que participam ativamente na escola o entendam e estejam do lado de quem muito dá pelo desenvolvimento dos alunos.
"Hoje vi o noticiário (foi feriado). Uma das notícias que não podia deixar de me chamar à atenção foram os resultados das Provas de “Aferição” (vai entre aspas porque ainda não percebi muito bem o que aferem, em especial no 2º ano de escolaridade). Confesso que não me surpreenderam. Infelizmente ainda me surpreendeu menos a conclusão que o Ministério da Educação retira de toda esta situação. E isto entristece-me. Para quem escolheu esta profissão por vocação, por vontade de ajudar as crianças no seu desenvolvimento, vê-los desabrochar e abrirem-se para a Vida, e anda nisto há 30 anos é cada vez mais frustrante “engolir” estas conclusões de quem, supostamente, percebe de Educação.
Está tudo bem na Educação, com exceção dos professores, claro!
Não está errado as crianças chegarem à escola de madrugada e de lá saírem ao anoitecer;
Não está errado terem uns currículos absurdamente desajustados ao desenvolvimento cognitivo das crianças;
Não está errado ter-se aniquilado as disciplinas de Expressões. São 3 horas semanais para Expressão Plástica, Expressão Musical, Expressão Dramática, Expressão Físico-Motora e, na prática, com os novos horários passaram a ser apenas 1h30m;
Não está errado dedicarem-se apenas 3 horas à disciplina de Estudo do Meio, quando já foram 5 e não chegavam;
Não está errado as condições de grande parte das escolas ser pouco dignificantes para toda a comunidade escolar, onde chove, faz frio e se tem que suportar um calor insuportável;
Não está errado quando os professores são sobrecarregados de trabalhos burocráticos e ficam sem tempo suficiente para prepararem adequadamente as aulas dos seus alunos;
Não está errado os professores não terem tempo para refletir, pensar, encontrar estratégias para ajudar os seus alunos a ultrapassarem algumas dificuldades. Uma nota: para se pensar numa estratégia que ajude um aluno a ultrapassar alguma dificuldade e para criar um jogo/atividade que permita aos alunos entenderem melhor os conteúdos é preciso PENSAR e para isso é necessário TEMPO. Não se pensa em estratégias, em soluções ou em atividades quando se vai às compras, à oficina levar o carro ou ao banco tratar de qualquer assunto;
Não está errado os docentes não terem tempo para ler e se atualizarem. Sim, esta profissão exige que estejamos constantemente em busca do conhecimento, em atualização constante;
Não está errado que para nos atualizarmos e obtermos os créditos que necessitamos para progredir na carreira (apesar dela estar congelada quase desde a pré-história) o tenhamos que fazer após o horário letivo – com o necessário prejuízo dos seus alunos porque quem chega a casa tarde (por vezes 22 horas ou mais) não poderá preparar e estar nas melhores condições físicas no dia seguinte para os seus alunos ou ter que frequentar as referidas formações durante uma infinidade de sábados, com isso prejudicando a sua família e a sua estabilidade mental;
Não está errado os filhos dos professores não terem as mesmas condições do que os filhos dos restantes pais. Sim, os nossos filhos acompanham-nos desde os poucos meses de idade para as reuniões e restantes tarefas escolares. Sim, ouvi a minha filha dizer-me algumas vezes que nós (pai e mãe, ambos professores) não gostávamos dela porque os fins-de-semana TAMBÉM são passados na preparação das aulas dos nossos alunos e em muitas outras tarefas que necessitam ser preparadas e não há tempo ao longo da semana;
Não está errado os pais terem horários de trabalho que não lhes permita fazer um melhor acompanhamento dos seus filhos;
Não está errado as nossas crianças não terem tempo para BRINCAR. Gostava de saber o que aconteceu às teorias de Jean Piaget e Lev S. Vygotsky e outros.
Não está errado mudarem-se todos os anos ou ao ritmo de mudança de governo, tudo o que diz respeito à Educação.
Não está errado sujeitarem as crianças (principalmente as do 1º ciclo) ao stress da realização das Provas de Aferição que não servem para nada. Tal é a importância que têm estas provas que as crianças as realizam nas suas salas de aula, sentadas ao lado dos seus colegas e com o seu professor titular de turma.
Não que eu defenda a existência de Exames ou Provas de Aferição, mas se os fizerem que tenham algum peso pedagógico. Todos nós sabemos que, principalmente os jovens, ao saberem que a nota obtida nas Provas de Aferição não conta NADA para o resultado do final de ano, obviamente não encaram este tipo de provas com a preocupação que a encarariam se tivessem um peso na sua transição ou não de ano.
Não está errado que haja professores colocados a centenas de quilómetros de casa, que tenham que abandonar os seus filhos (maioritariamente crianças de tenra idade), cônjuges e lares. É impossível haver alguém que se consiga manter mentalmente estável numa situação destas. Quantos pais e mãe não verão os primeiros passos dos seus filhos, a primeira palavra balbuciada… Por que não se faz um estudo sobre a saúde mental destes (e de todos) professores? Inevitavelmente, começam a surgir inúmeros atestados médicos (e ainda a procissão vai no adro). E alguns ainda dirão: Pois, essa cambada, o que não quer é trabalhar!
Não, nada disto está errado. Quem são os culpados? Inevitavelmente, sempre os mesmos. Ainda que o digam de uma forma camuflada e embrulhada no papel bonito da formação dizem que a culpa é dos PROFESSORES que precisam de saber mais. Sim, precisamos. Sim, é necessário estarmos sempre em atualização. Sim, como em todas as profissões nem todos se dedicam de corpo e alma aos seus alunos.
Mas NÃO, NÃO ACEITO que me venham dizer que o resultado que as crianças e jovens tiveram naquela coisa que se chama Prova de Aferição é nossa, é dos Professores. Um pouco mais de respeito só ficava bem a quem gere tão importante setor da nossa sociedade.
Infelizmente, esta foi a forma que Portugal, ou melhor os seus governantes, escolheu para comemorar o Dia Mundial do Professor.
Um professor com muito orgulho de o ser"
José Paulo Ribeiro